quarta-feira, 17 de março de 2010

Há 400 anos GALILEU GALILEI...

Março de 2010 marca em todo o mundo os 400 anos da publicação de uma das obras mais marcantes de toda a História da Ciência e da História da Humanidade - o livro "SIDEREUS NUNCIUS" ("O Mensageiro das Estrelas",Veneza, 1610) de Galileu Galileu, uma das personalidades mais marcantes do Renascimento.



Resultado das suas observações de 1609 - usou pela primeira vez o recém-inventado "telescópio" (uma luneta) na observação da Lua e de Júpiter, entre outros - causou sensação por toda a Europa, ao revelar realidades até aí completamente insuspeitadas, ou simplesmente inventadas (a lua como esfera perfeita, por exemplo).

Famosos ficaram igualmente os desenhos originais que publicou e que, na ausência de qualquer possibilidade de registo fotográfico (só 300 anos depois se começariam a dar os primeiros passos nessa direcção), deram a conhecer ao mundo o que os seus olhos haviam observado.



Fica a lembrança-homenagem.
Fica também uma das pérolas da nossa poesia, para ele precisamente!


Poema para Galileu



Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,

em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce

sobre um modesto cabeção de pano.

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.

(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.

Disse Galeria dos Ofícios.)

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...

Eu sei...Eu sei...

As Margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.

Ai que saudade, Galileo Galilei!

Olha. Sabes? Lá em Florença

está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.

Palavra de honra que está!

As voltas que o mundo dá!

Se calhar até há gente que pensa

que entraste no calendário.



Eu queria agradecer-te, Galileo,

a inteligência das coisas que me deste.

Eu,

e quantos milhões de homens como eu

a quem tu esclareceste,

ia jurar - que disparate, Galileo!

- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça

sem a menor hesitação -

que os corpos caem tanto mais depressa

quanto mais pesados são.



Pois não é evidente, Galileo?

Quem acredita que um penedo caia

com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo de praia?



Esta era a inteligência que Deus nos deu.



Estava agora a lembrar-me, Galileo,

daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo

e tinhas à tua frente

um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo

a olharem-te severamente.

Estavam todos a ralhar contigo,

que parecia impossível que um homem da tua idade

e da tua condição,

se estivesse tornando num perigo

para a Humanidade

e para a Civilização.

Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,

e percorrias, cheio de piedade,

os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.



Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,

desceram lá das suas alturas

e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las - ,

nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.

E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual

conforme suas eminências desejavam,

e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal

e que os astros bailavam e entoavam

à meia-noite louvores à harmonia universal.

E juraste que nunca mais repetirias

nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,

aquelas abomináveis heresias

que ensinavas e escrevias

para eterna perdição da tua alma.

Ai, Galileo!

Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,

que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,

andavam a correr e a rolar pelos espaços

à razão de trinta quilómetros por segundo.

Tu é que sabias, Galileo Galilei.

Por isso eram teus olhos misericordiosos,

por isso era teu coração cheio de piedade,

piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos

a quem Deus dispensou de buscar a verdade.

Por isso estoicamente, mansamente,

resististe a todas as torturas,

a todas as angústias, a todos os contratempos,

enquanto eles, do alto inacessível das suas alturas,

foram caindo,

caindo

caindo

caindo

caindo sempre,

e sempre.

ininterruptamente,

na razão directa dos quadrados dos tempos.



António Gedeão ("Poema para Galileu", 1964)

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